Clima, cinismo e morte

Agência Carta Maior

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Por Luiz Roberto Alves

Quando a vida humana está em questão, não interessa mais classificar este e aquele de pessimista ou otimista, catastrófico ou moderado. De fato, ninguém sabe se nos próximos 50 anos os mares subirão centímetros ou metros. Há muitas variáveis. Entre elas, o comportamento das instituições e das pessoas. É mais que urgente a saída da pobreza das quase três bilhões de pessoas, pois na elevação do nível de vida avançam a cultura, a educação, a infra-estrutura, e tudo isso ajuda a compreender, prevenir e redirecionar o processo de mudanças da Terra. No entanto, quanto aos governos, hoje os sinais são os piores.

Veja-se o caso do G-8. Em 2005, na reunião de Gleneagles, os países ricos prometeram ajudar a África com 50 bilhões de dólares até 2015, com vistas ao cumprimento dos objetivos do milênio. Até agora repassaram 2%, ainda a título de cancelamento de débitos. Jeffrey Sachs, ex-coordenador do Projeto Milênio da ONU, em artigo do jornal Il Sole 24 Ore de 13 de maio, afirma que os Estados Unidos impediram que se construísse uma planilha para o desembolso dos recursos, o que significa promessa vazia. E o que mais dói: Sachs informa que somente as gratificações natalinas de 2006 oferecidas pelas empresas que operam em Wall Street chegaram a 24 bilhões de dólares, metade de toda a promessa não-cumprida do G-8 para com a África. Para ele, o cinismo é a marca do programa de ajuda.

Foi interessante observar que no último mês de fevereiro coincidiram os relatórios de Paris sobre o clima da Terra com as comemorações do Darwin Day, que se prolongaram por uma semana em instituições de vários países. Na Itália, a Semana foi aberta pela Sra. Rita Levi Montalcini, Prêmio Nobel de Fisiologia em 1986, e teve a participação de Mario Tozzi, cientista que dirige o famoso programa de televisão Gaia. Eles observaram que a melhor vocação de Darwin seria a Geologia, na qual errou menos. No entanto, a despeito de superadas, suas observações têm sido ponto de partida para pensar a evolução da terra e suas catástrofes.

Seu estudo sobre os corais, considerado quase perfeito, se projeta sobre a atual tragédia dessa formação marítima, que também sinaliza a doença do nosso mundo. Na conferência, Tozzi mostrou que o clima da terra não está louco, mas sim o processo político contemporâneo. Pode-se juntar a isso que são loucos os modos de regulação, ou desregulação, do chamado desenvolvimento. Será que a maneira como se fez a revolução industrial – baseada exclusivamente no lucro – não era equivalente a um lento terremoto e uma crescente erupção vulcânica?

Por esses e outros fatos, George Monbiot enunciou em seu comentário do The Guardian, no primeiro de maio: “A política do mundo rico sobre o efeito estufa se esclarece: milhões vão morrer”. O primeiro sinal ainda é vivo: os países não estão cumprindo os protocolos assinados e, para não tocarem no sistema produtivo, mentem sobre os modos pelos quais vão contornar o problema. Monbiot cita o estudo do climatologista Malte Meinshausen, segundo o qual somente as concentrações de gases abaixo de 400 partes por um milhão garantem alguma chance de o clima não exceder a 2 graus. Como se sabe, se isso ocorrer, põe-se em xeque as camadas de gelo e a floresta amazônica. Ocorre que, no momento, a concentração está em 459 ppm. O que significa que já há excesso.

Ora, a União Européia e o Reino Unido (parece que os Estados Unidos mal começaram a pensar no assunto) estabeleceram que vão “segurar a barra” na marca dos 550ppm. Então, a temperatura poderá ir entre 2 e 5 graus a mais e nossa vida estará ameaçada. Isso para quem pensa de modo coletivo e não somente no seu nariz. Ocorre, pois, que tanto os governos estão usando dados não-científicos como estão cedendo aos interesses econômicos, impossibilitando uma efetiva mudança ético-ecológica do nosso mundo. De fato, deve-se cortar 60% das emissões entre hoje e o ano 2030, e entre 2030 e 2050 um corte mais radical, de 80% no que corresponde a cada pessoa, com ênfase em todo o sistema produtivo. Isso significa a mudança de todo o modo de ser e viver, em todos os países da Terra. Nessa hora, a Ciência deve vencer as mentiras e os interesses.

Luiz Roberto Alves, professor do Programa de Mestrado em Administração da Universidade Metodista de São Paulo e do Departamento de Comunicações e Artes da USP, atualmente é pesquisador visitante na Universidade de Florença, com apoio do CNPq.

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